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Reforma Tributária do consumo: o impacto para a indústria 

7 min de leitura

Por Sonia Marques Döbler e Thaís Silveira Araújo

O sistema tributário brasileiro é popularmente conhecido pela sua complexidade e onerosidade nas relações comerciais e na precificação de bens e serviços. O contexto atual é resultado da sobreposição de normas federais, estaduais e municipais, da multiplicidade de obrigações acessórias e da dificuldade em identificar com clareza a carga tributária incidente sobre cada operação. 

Para o setor industrial, esse cenário se traduz em um alto custo de conformidade e insegurança jurídica recorrente. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicam que a carga tributária pode alcançar até 42% do faturamento da indústria brasileira, comprometendo investimentos e capacidade de inovação. Ainda assim, o setor responde por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, sendo o segundo maior da economia brasileira, um dado que evidencia a urgência de uma reforma estruturante que promova racionalidade e eficiência.

Emenda Constitucional nº 132/2023 e o novo modelo de tributação

É com base nesses fatores que a Emenda Constitucional nº 132/2023, aprovada no fim de 2023, inaugurou um novo regime de tributação sobre o consumo. Inspirada no modelo europeu de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a legislação adota como princípios centrais a não cumulatividade plena, com o direito ao crédito dos tributos recolhidos nas etapas anteriores da cadeia produtiva, bem como a neutralidade da base de cálculo e das alíquotas dos tributos.

Para isso, concentrou os 05 (cinco) tributos de competência federal, estadual e municipal que atualmente incidem sobre bens e serviços (respectivamente, IPI, PIS e COFINS, ICMS e ISS) em um IVA dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União Federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sob coordenação de um Comitê Gestor, com atribuição partilhada entre Estados, Municípios e o Distrito Federal. Adicionalmente, foi estabelecido o Imposto Seletivo (IS), de natureza extrafiscal, que incidirá sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, mecanismo de tributação que também existe em outras jurisdições do mundo e que é conhecido como “Sin Tax”, o imposto do pecado. 

A implementação do novo sistema ocorrerá de maneira escalonada, uma vez que a reforma prevê um período de transição que se inicia em 2026 e se estenderá até 2032. Nesse intervalo, o regime atual de tributação — que engloba IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS — coexistirá com os novos tributos (CBS e IBS), exigindo das empresas um acompanhamento atento da legislação, adaptações operacionais e o redesenho de estratégias para mitigar riscos e aproveitar eventuais oportunidades. 

Para a indústria brasileira, surgem ainda dúvidas quanto à tributação aplicável durante o período de transição, além de preocupações relacionadas à manutenção e ao aproveitamento de benefícios fiscais e à gestão de créditos tributários acumulados. Essas questões demandam uma atenção estratégica desde já, de modo a assegurar a conformidade e a competitividade no novo sistema tributário.

Repercussões da Reforma Tributária para a indústria

Até porque algumas medidas preparatórias devem ser adotadas ainda em 2025, para que os contribuintes estejam prontos para atender às obrigações impostas a partir de 2026.  Note que, no primeiro ano de transição, a tributação do consumo continuará aplicável – com incidência de IPI, PIS, COFINS, ICMS e/ou ISS. Contudo, em complemento, será devida uma “alíquota teste” de 1% do IVA-Dual, sendo 0,9% referente à CBS e 0,1% ao IBS, incidente sobre as operações com bens e serviços. 

As empresas terão o dever de destacar a alíquota teste nas notas fiscais e de lançá-la nas obrigações acessórias correspondentes. No entanto, o recolhimento desses tributos será facultativo: os contribuintes que emitirem corretamente seus documentos fiscais e cumprirem as obrigações acessórias estarão dispensados do pagamento da CBS e do IBS ao longo do ano de 2026.

Nesse cenário, a preparação dos sistemas internos será imprescindível, com especial atenção aos novos leiautes e campos específicos introduzidos para as notas fiscais. Como o ambiente de adaptação e de testes de emissão dos documentos estará disponível ainda em 2025, as empresas podem e devem iniciar a adaptação dos seus softwares de emissão de notas fiscais, de apuração de tributos e de registros contábeis.

Reestruturação operacional e o fim gradual dos benefícios fiscais

O impacto da Reforma Tributária, porém, não se limita às adequações de sistemas fiscais e contábeis; ele perpassa pelos mais diversos setores das empresas. Um exemplo dessa afirmação é que a opção pela tributação no local de destino dos bens e serviços, bem como pela apuração centralizada do IBS e da CBS, resultará em um rompimento do modelo de autonomia dos estabelecimentos, o que afeta abertura, manutenção ou encerramento de unidades em diferentes localidades.

Esse ponto também deverá ser avaliado pelas indústrias detentoras de benefícios fiscais de ICMS e/ou ISS, uma vez que a pretendida neutralidade fiscal da reforma acarretará a redução progressiva, até a extinção, dos benefícios relacionados a esses tributos. Entre 2029 e 2032, haverá uma eliminação gradual dos efeitos dos incentivos, acompanhada pelo aumento progressivo da alíquota de referência do IBS, em movimento que poderá repercutir na viabilidade de operações em regiões específicas do Brasil.

Preservação de regimes especiais e estratégias para competitividade fiscal

Ainda assim, alguns regimes especiais serão preservados, notadamente os regimes aduaneiros voltados à importação, como o drawback, o RECOF e o ex-tarifário, além de regimes estratégicos setoriais, como o REPETRO e o REIDI, sendo que o último continuará assegurando a suspensão da incidência de IBS e CBS sobre aquisições destinadas a projetos de infraestrutura ou incorporação ao ativo imobilizado.

Dentre os incentivos fiscais regionais, as mudanças na tributação devem preservar a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM), cuja existência está garantida pela Constituição Federal até 2073. Por isso, durante o período de transição da Reforma Tributária, a proteção se dará por meio da manutenção do IPI: a partir de 2027, as alíquotas de IPI serão reduzidas a zero, exceto para produtos industrializados que concorram com aqueles fabricados na ZFM. Produtores concorrentes da ZFM devem estar atentos à possível majoração da carga tributária em suas operações, considerando a manutenção do IPI, em adição aos novos tributos sobre o consumo.

Essa possibilidade de majoração da carga tributária se explica pelo fato de que o principal objetivo da Reforma Tributária não é promover uma redução da tributação, ao menos a curto prazo, mas sim, simplificar e uniformizar os processos. Nesse cenário, a gestão estratégica dos créditos tributários se torna um importante ativo para a eficiência e a competitividade das indústrias.  

Aproveitamento de créditos acumulados e planejamento na transição tributária

A legislação resguarda o direito dos contribuintes ao aproveitamento dos créditos federais de PIS e COFINS, inclusive os presumidos, apropriados até 31/12/2026, que poderão ser utilizados para compensação com a CBS, outros tributos federais ou ressarcidos em dinheiro, desde que devidamente registrados e observadas as condições legais. Da mesma forma, os saldos credores de ICMS, desde que regularmente apurados em 31/12/2032, serão reconhecidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, podendo ser utilizados de forma parcelada em até 240 vezes, observando-se o prazo máximo de cinco anos para a formalização do pedido de homologação, contado a partir de janeiro de 2033.

Diante das profundas transformações na tributação sobre o consumo brasileiro — e das discussões ainda em andamento no Congresso Nacional —, é evidente que a Reforma Tributária configura um processo dinâmico, que exigirá da indústria uma atuação proativa, planejamento antecipado, com o suporte contínuo de especialistas. 

*Sonia Marques Döbler e Thaís Silveira Araújo são advogadas e sócias do escritório Sonia Marques Döbler Advogados (SMDA) Sonia Marques Döbler Advogados (SMDA) 

Contato: sonia@dobler.com.br

Contato: thais.araujo@dobler.com.brwww.dobler.com.br

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